27.11.06

A última letra


Álvaro Lapa, Presidiariamente

1. Já temos este em miniatura na sala, um dia hás-de ter aquele em tamanho real (entretanto, podemos ir vê-lo ao Museu da Cidade).

2. Devolvo-te o poema com o qual me apresentaste o Cesariny:

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
– ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora!
– rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny [1923-2006], Pastelaria

3.


4. És a última letra do meu alfabeto, juntos temos a primeira. Misturam-se as duas na minha lista de importâncias.

3 comments:

Anonymous said...

I. Fugo aos lugares comuns como da morte.
II. As palavras a aquecerem-me os hemisférios e as cores as pontas dos dedos.
III. Ensinarei quem vier o sentido da vida / a clareza e a ferocidade, o amor / os homens sem tempo e a liberdade.

Z.

Anonymous said...

PRIMEIRA PARTE
Há uns anos atrás, quando eu tinha a mania que era actriz, eu e uns amigos tinhamos um espectáculo de poesia um bocado estranho que andámos a fazer aí pelas escolas deste país. Quando digo estranho refiro-me ao facto de, por exemplo, eu ser uma junkie lésbica. era uma coisa muito boa, era ver os profs a abandonar as salas a pensar: "mas porque é que comprámos este espectáculo?" e os putos todos contentes. Enfim, isto tudo para dizer que me cabia a mim dizer a parte final da pastelaria e que sempre me soube muito bem fazê-lo.

SEGUNDA PARTE
há uns tempos um amigo deu-me um cd com poemas do cesariny ditos pelo próprio. Como ele é uma pessoa generosa, não se deve importar que o partilhe. Fiz-te o upload da pastelaria. Está aqui:
http://www.box.net/public/9barsl8ovz

se quiseres faço-te uma cópia ou o upload do resto, são só 5 faixas.

rita said...

É engraçado como as pessoas se cruzam com a poesia e com a música em circunstâncias tão diferentes.
Obrigada pela história e pelo upload.
Se puderes fazer também das outras faixas fico ainda mais agradecida.