18.9.10

Waltz #2


Na vertigem que é a visão que o espelho me devolve, penso no que já não reconhecerias, em mim e nos meus escombros, se os nossos olhares voltassem a cruzar-se como antes.
Nos cabelos brancos que já quase me cobrem grande parte da cabeça, mas que pinto porque não gosto de me ver velha.

Nos olhos, que para ti sempre foram cinzentos ou azuis, conforme os desejos da cor do céu, e que hoje em dia todos teimam em dizer-me que são verdes. E que já não vêem longe como dantes, e que são tristes, e têm já algumas rugas, e já não brilham, e que perderam a conta às lágrimas que choraram por ti.
Talvez seja também por isso que perderam a cor, que desbotou como a da roupa ao fim de muitas lavagens, não resistindo aos imensos dilúvios que me inundaram os dias.
As contas que faço aos anos que passaram assustam-me.
As contas que faço aos anos que faltam assustam-me ainda mais.

E a vida continuou sem ti, e envelheço sem ti, e vejo-me ao espelho, não todos os dias, mas há dias em que penso no que dirias e se continuarias a achar-me bonita.

Não que isso importe.

É feia a cicatriz que o espelho me devolve, juntamente com outras mais insignificantes, por trás da imagem que me compõe.

E dou por mim a pensar que ninguém devia morrer assim para ninguém.


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In the vertigo of the vision that the mirror returns everytime i look at my reflection, i think about what you wouldn't recognize (in me and my ruins) if our eyes would ever meet again.
The white hair, that almost covers a large part of my head, but that i dye because i don't like seeing myself so early aged.

In the eyes, which for you have always been gray or blue, depending on the wishes of the color of the sky, and that nowadays everyone insists in seeing green. And that don't see as far as before, and already have some wrinkles, and no longer shine, and have lost count of the tears they cried for you. Maybe that's why they lost their color, which faded as the clothes colors after many washes, not resisting the massive floods that filled my empty days.
I get scared when i think of how many years have passed.
The
remaining years scare me even more.
And life went on without you, and i grow old without you, and i see myself in the mirror, not everyday, but there are days when i think of what you would say and if you would still find me beautiful.
Not that it matters.

It's a big and ugly scar that the mirror shows me, along with more insignificant others, behind the image everybody sees.
And I find myself thinking that no one should die like this to anyone.

2 comments:

Sónia Sapinho said...

lindos: o texto, a música e o murro no estômago que senti. obrigada

Virgínia said...

já te disse que gosto de ti? :)